Há pouco mais de três anos tomei coragem suficiente
para começar a realização de um antigo projeto:
participar do ateliê da Renata Madeira.
Desde o começo, tão bem acolhida pela Renata
(que conheci pequenininha, depois foi minha aluna
e agora é minha professora amiga),
senti-me feliz e em liberdade para ousar
e encher folhas e folhas de desenhos mil,
entrosada num grupo jovem animado
e sempre entusiasmado para inovar
e trocar experiências.
Ao voltar às aulas, neste semestre, recebemos todos
um presente surpresa: um exemplar de
“Cartas a Um Jovem Poeta” de Rainer Maria Rilke.
Nosso prazer é grande, lendo e comentando-o em aula.
São dez cartas escritas, entre 1903 e 1908,
a um jovem poeta que lhe pedia conselhos
e nelas vida e poesia estão misturadas,
uma como resultado constante da outra.
“O criador deve ser um mundo para si mesmo
e encontrar tudo em si e na natureza a que se aliou”.
A poesia de Rilke é bem conhecida no mundo inteiro
e uma de suas obras mais apreciadas
é “A Canção de Amor e de Morte do Porta-
Estandarte Cristovão Rilke”.
Foi toda escrita numa só noite, em 1899,
e traduzida por Cecilia Meireles (Editora Globo).
Estes são alguns trechos, valem como amostra,
porque a canção é linda:
Cavalgar, cavalgar, cavalgar,
pela noite, pelo do dia, pela noite.
Cavalgar, cavalgar, cavalgar.
E a coragem tornou-se tão lassa e a saudade tão grande. Não há mais montanhas, apenas uma árvore. Nada ousa levantar-se. Cabanas estrangeiras agacham-se sequiosas à beira de fontes lamacentas. Em nenhum lugar uma torre. E sempre o mesmo aspecto. É demais, ter dois olhos. Só à noite, às vezes, pensa-se conhecer o caminho. Talvez à noite tornemos sempre a refazer a jornada que penosamente cumprimos sob o sol estrangeiro? Pode ser. O sol é pesado como, entre nós, em pleno estio. Mas foi no estio que nos despimos. Os vestidos das mulheres brilhavam longamente sobre o verde. E agora há muito tempo que cavalgamos. Deve ser, pois, outono. Pelo menos lá onde tristes mulheres sabem de nós.
(…)
Depois, mete a carta na túnica, no mais secreto lugar, junto à pétala de rosa. E pensa: daqui a pouco estará perfumada. E pensa: talvez um dia alguém a encontre...
E pensa: ...
Porque o inimigo está perto.
(...)
ALGUÉM TRAJADO DE SEDA BRANCA, percebe que não pode despertar; pois está desperto e perturbado com a realidade. Assim se refugia medrosamente no sonho, e permanece de pé no parque, sozinho no negro parque. E, a festa é longe. E a luz mente. E a noite o envolve, fresca. E pergunta a uma mulher que para ele se inclina:
"És tu a noite?"
Ela sorri.
Então, ele se envergonha de seu traje branco.
E quereria estar longe, sozinho, armado.
Completamente armado.
(…) ISTO É O AMANHECER? Que sol se eleva?
Como é grande o sol.
São pássaros? Suas vozes estão por toda parte.
Tudo está claro, mas não é dia.
Tudo é ruidoso, mas não são vozes de pássaros.
São as trevas que brilham. São as janelas que gritam.
E gritam, vermelhas, dirigindo-se para o inimigo
que está lá fora, no campo chamejante, gritam: Incêndio.