terça-feira, 18 de agosto de 2009

Relendo Flora Figueiredo

Poesia é cor, perfume, música, beleza,

alimento para a alma.

Tudo isto eu encontro em Flora Figueiredo.

Flora segue o caminho do sonho,

sem  se distanciar da realidade presente nas ruas,

nos rostos das pessoas,

nas coisas comuns ao cotidiano de todos nós.

Ela faz a poesia do encantamento,

mas também registra as indignações do nosso tempo,

tão pobre de alternativas existenciais.

Por tudo isto fiz uma seleção de poesias

para os amigos que costumam visitar meu blog.

 

 

 

Origami

 

 

Dobra que dobra,
redobra.
Põe de pé,
puxa as pontas.
Não fica perfeito,
mas faz de conta;
um pouco torto,
mas ninguém vê.
Não faz mal:
é só um pedaço morto
de folha de jornal.
Ficou de lado,
meio largado
na gaveta.
Ao voltar,
as letras de papel terão voado.
Palavra mal guardada
acaba se tornando borboleta.


Ordem do Dia

 

Eu abro a janela,
você acende o céu,
o gato toca o guizo.
Se for preciso,
a gente chama a banda,
cobre de lírios o espaço da varanda,
dá um brilho na pátina da areia.
Risca-se o poente com giz colorido
que faça sentido com a pele do mar.
E se, ao final da linha,
o rádio anunciar que tudo deu errado:
a idéia faliu,
a alegria dormiu,
o projeto quedou-se malfadado;
negou-se o teorema,
falhou o sistema,
perdeu-se a teoria,
então, abriremos por fim a nossa caixa,
onde se conservam bem guardados
o sonho, o veludo e a fantasia.

 

 

Amigo  Querido


"Por onde andamos nós, que raramente nos falamos?
Engolidos pela pressa, ou pela saga do compromisso...
Ó DEUS, que maratona é essa?

Deixo um recado de saudade para você pensar:
Por mais que a vida corra e o mundo se agite, por
favor, acredite, o nosso coração não muda de lugar.

O tempo e a distância costumam nos arrastar.
É como se folhas de outono se separassem pelo
sopro de algum vento.

Mas nosso coração, não muda de lugar.
Conservo a mão estendida, o peito aberto, o ombro
compreensivo, o pensamento alerta.

A qualquer hora, você pode me chamar. O meu
carinho, permanece vivo.
É que nosso coração não muda de lugar."

 

Dor - de - cotovelo

 

Deve ser tratada com dignidade.
Não é virose,
epidemia ou artrose,
nem mesmo falha de envelhecimento.
Independe da idade.
Costuma dar a sensação
de um escuro profundo,
onde a luz não chega,
onde a esperança é cega
e nossa estima é o rodapé do mundo.
Não acredite !
Como esse mal não transmite
nenhum perigo fatal,
poder ser prazeroso o colo de um amigo,
um abraço forte, como abrigo,
uma palavra doce,
um cafuné.
Acima de tudo, que se mantenha a fé.
Muito pior do que passar por isso
é sonegar emoção,
evitar o risco e o compromisso,
esconder-se atrás das grades da razão.
Quem hoje por amor está sofrendo,
Só por amar, já merece estar vivendo.

 

Flutuações


O sonho aprendeu a pairar bem alto,
lá onde o sobressalto nem sequer nasceu.
Namorou a trôpega ilusão,
até que trêfego e desajeitado,
desprendeu-se de seu reino idealizado,
veio pousar tamborilante em minha mão.
Assim, aquecido e aconchegado,
parece que se esqueceu de ir embora.
Na hora em que ressona distraído,
eu lhe pingo malemolências ao ouvido,
à sua inquietação eu me sujeito.
Eis que o sonho dorme agora aqui comigo,
seu corpo repousa no meu peito.

 

Lição de Casa


Você tampa a panela,
dobra o avental,
deixa a lágrima secar no arame do varal.
Fecha a agenda,
adia o problema,
atrasa a encomenda,
guarda insucessos no fundo da gaveta.
A idéia é tirar a tarja preta
e pôr o dedo onde se tem medo.
Você vai perceber
que a gente é que faz o monstro crescer.
Em seguida superar o obstáculo,
pois pode-se estar perdendo
um espetáculo acontecendo do outro lado.
Atravessar o escuro
até conseguir tatear o muro,
que é o limite da claridade.
Se tiver capacidade para conquistá-la,
tente retê-la o mais que puder.
Há que ter habilidade, sem esquecer
que a luz é mulher.
Do inferno assim desmascarado,
é hora de voltar.
Não importa se é caminho complicado,
se a curva é reta,
ou se a reta entorta.
Você buscou seu brilho, voltou completa;
jogou a tranca fora, abriu a porta.

 

Retirada

 


Respeite o silêncio
a omissão,
a ausência.
É meu movimento de deserção.
Abandonei o posto,
rompi a corda,
desacreditei de tudo.
Cansei de esperar que finalmente um dia,
minha fotografia
fizesse jus ao seu criado-mudo.


 

3 comentários:

  1. amei essa seleção...
    gosto muito de alguns poemas..
    me identifico menos com outros..
    ....assim é ótimo ter uma variedade..opção para todos !!!!
    aliás esse blog está cada dia mais aprimorado!!!
    continue assim!!
    bjinho mila

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  2. o vovô queria que a nenem fosse igualzinha a vovó...
    e olha que quase chegou lá....
    há um veio artístico heradado..
    uma sensibilidade poética em comum...
    uma atração similar por literatura....
    e até uma mesma paixão pelo Rio de Janeiro...
    e borboletas nos blogs....
    beijinho Milisa

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  3. Obrigado.... Por mais que escreva, nada dará a emoção e a dimensão em ler as tuas poesias, Você nem imagina o grau de felicidade em que meu espírito se encontra nesse momento!...
    Um grande abraço Jesus Schimith

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